terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cidades código aberto: tecnologias em rede para solucionar problemas


Reprodução
Rede de contatos
Felipe Maia

Um software que integre cidadão e governantes, que permita modificações na sua estrutura segundo a demanda da sua população, que tenha seu sistema aberto ao acesso público, que não discrimine maneiras de utilização. Ou melhor: em vez de software, uma cidade que faça tudo isso. A ideia, por utópica que seja, torna-se realidade no hibridismo das cidades código aberto.

O conceito não é novo.  “Eu tenho de olhar na minha comunidade quais são as demandas e fazer articulações regionalmente”, diz Domingos Secco. Se articulações como essa existem desde a Grécia antiga, em que cidadãos se reuniam para discutir uma nascente democracia, a grande novidade da cidade de código aberto é mitigar barreiras entre os chamados mundos real e virtual em busca de soluções – como faz o projeto coordenado por Secco, oPortoAlegre.cc.

Com pouco mais de dois anos, a plataforma alavancou mutirões, eventos no principal parque da cidade e melhorias no transporte. O seu funcionamento é simples: algum cidadão insatisfeito cria uma causa e a localiza no mapa da capital gaúcha, acessível no site do projeto; feito isso, é hora de buscar apoiadores; a solução deve vir das pessoas e não necessariamente de um poder público. “É um metamovimento: a causa é de algum grupo, não do PortoAlegre.cc. Acolhemos as pessoas e damos voz a elas”, afirma Secco.

Foi o que aconteceu com a primeira limpeza em grupo da beira do rio Guaíba, ideia levantada pela estudante Renata Gomes. A causa mobilizou voluntários na rede e gerou outros mutirões – além de retirar uma tonelada de lixo da orla do rio. “Queremos despertar essa vontade de cuidar da cidade, quebrar essa lógica de só cobrar o governo”, diz Secco. Ainda assim, o Estado não está isento. No caso da limpeza, coube à prefeitura o maquinário que deslocou o lixo para aterros, a pedido do PortoAlegre.cc.

Questões ambientais como as que estimularam um dos maiores feitos do projeto são um dos combustíveis renováveis das cidades de código livre. Termos como “sustentabilidade” e “colaboração” deixam o noticiário e podem ganhar forma em várias esferas, como em Juba, capital do Sudão do Sul. Vindo de um conflito que culminou na sua fundação, o país tem em sua maior cidade o palco do projeto #OSJUBA, que pretende criar um “kit open source” para desenvolvimento local baseado em pequenas estruturas conectadas em rede – da economia à comunicação.

Liderado pela r0g, agência para cultura livre e transformação crítica, o projeto é totalmente baseado em software de código aberto. Somente isso, contudo, não fará de Juba uma cidade código aberto. “A questão é metodológica”, alerta Secco. No caso de Juba, seria preciso que os sul-sudaneses aprendessem a lidar com o sistema, gerindo e recriando ele em projetos do dia a dia. 

Para Secco, o maior desafio não é criar uma plataforma cuja linguagem está disponível para ser modificada. O desafio é articular os agentes que farão esse sistema rodar. O próprio PortoAlegre.cc não é totalmente aberto. Embora faça uso do sistema livre Ruby on Rails, a plataforma funciona com Google Maps e armazenamento em nuvem da IBM. Mesmo assim, Secco ainda acredita que outras cidades possam ter seus próprios .cc – sigla que significa Creative Commons, organização que licencia obras de maneira compartilhada.

Iniciativas globais e locais

O framework (um esqueleto) da PortoAlegre.cc ainda não tem data prevista para estrear. Ainda que esteja a um grau de todos os cidadãos porto-alegrenses com acesso ao Facebook, de acordo com Secco, ainda há o que melhorar. É o caso da rastrear causas, por exemplo, já que algumas vezes elas ficam abandonadas no site do projeto. Todas as criações saem do laboratório da Lung, a empresa que surgiu por causa do projeto gaúcho. A startup tem outras duas criações que flertam com a ideia de cidades código aberto: o Curtindo Porto Alegre, uma agenda de eventos, e a Tchêpedia, um dicionário de vocábulos do Rio Grande do Sul.

A enciclopédia dos pampas também utiliza o armazenamento em nuvem da IBM, como o PortoAlegre.cc. “A companhia tem essa ideia de Smart Cities muito forte na sua estratégia global”, disse Luiz Toledo, gerente de projetos para o RS. O conceito refere-se ao uso de tecnologias que utilizem um grande montante de dados no funcionamento de sistemas inteligentes. É o princípio por trás do Maximo, software implantado em três secretarias de gestão urbana de Porto Alegre em fevereiro do ano passado.

O programa, baseado em Linux, alerta os órgãos do governo sobre falhas no equipamento urbano, entre outras características. “A SMOV, secretaria responsável pela iluminação da cidade, consegue fazer a previsão de quando uma lâmpada vai se esgotar”, explica Toledo. O executivo afirma que as informações sobre a cidade não estão acessíveis a qualquer cidadão, mas a comunidade se beneficia de qualquer maneira.

Outros exemplos espalham-se pelo mundo no galope das redes de alta velocidade. A própria IBM investiu em projetos similares no Rio de Janeiro em 2011, sempre com foco na administração de grandes volumes de dados. O gerenciador de circulação de ônibus, por exemplo, foi modificado e chamou a atenção da China, onde foi adotado pela cidade de Zhenjiang, com três milhões de habitantes.

A capital fluminense também recebeu uma chuva de projetos no ano passado quando da Rio +20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Os responsáveis por sistemas como o Open Rio, que cria rotas turísticas seguras baseado no rastreamento de dispositivos móveis, são do Senseable, laboratório do MIT voltado a questões que envolvam tecnologias e problemas urbanos.

Centros de pesquisa tomam liderança nas empreitadas de cidades código aberto na medida em que encontram demandas, como no caso do MIT ou da Universidade do Vale do Rio Sinos, incubadora da Lung e de seu PortoAlegre.cc. Por outro lado, como não se trata de uma manifestação encarcerada a pequenos grupos – como preveem softwares proprietários --, os projetos também residem em coletivos.

Em São Paulo, o movimento Baixo Centro realizou um festival artístico no ano passado em diversas áreas tidas como degradadas, como a Cracolândia. O projeto, que entra nos preparativos para a segunda edição, é construído sobre a ideia de rede de cabo a rabo – a ponto de a entrevista do Olhar Digital ter recaído sobre todo o grupo e não sobre um porta-voz.  Na tela, um mapa da região recebe marcações de eventos em uma plataforma aberta. Seja para acessar, seja para colaborar.  



fonte:http://olhardigital.uol.com.br/produtos/digital_news/noticias

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